Psicoterapia na linha Conversa Amiga INATEL

Esperança para quem não vê futuro no presente

 

Há um novo serviço gratuito de psicoterapia que a linha Conversa Amiga oferece aos apelantes em situações de vulnerabilidade social e económica. Eis os testemunhos de quem já passou pelo processo terapêutico e encontrou outros sentidos para a vida.

 

Lourenço, nome fictício, tem 29 anos e é músico. Durante algum tempo, acreditou que a solução para os desgostos da sua vida se encontrava na morte. Conta que estava a amealhar para dar início ao processo de eutanásia fora de Portugal. Não via mais nada para além da ideia, insistente e persistente, de que não valia a pena continuar a viver. Que ninguém o demovesse do contrário. Não tinha doenças físicas que o levassem a desejar a morte, mas a cabeça e o coração diziam-lhe que aquele era o caminho para terminar, de vez, com todo o sofrimento: “Fui sempre traído nas relações que tive, e isso deixou-me traumas e receio de confiar em pessoas novas que aparecessem na vida”, recorda Lourenço.

As discussões “estranhas” com o namorado, um passado com outras situações negativas e repetitivas, conduziram-no a pensar, fixamente, apenas numa palavra: eutanásia. Até o algoritmo, nas redes sociais, identificou que ele precisava de ajuda. Quando navegava pela Internet, no telemóvel, surgiam contactos de diferentes linhas de apoio psicológico.

Num desses dias, em que deambulava pelas redes sociais, e que estava “muito mal emocionalmente”, ligou para a Conversa Amiga. Expôs tudo o que sentia no momento e partilhou que tinha vontade de morrer. Foi aconselhado a ter uma consulta de psicoterapia, um novo serviço desta linha dedicado a situações específicas. Inicialmente, estava previsto ser acompanhado durante meio ano. Esse tempo não foi suficiente para o seu caso e a terapia prolongou-se: “Estive durante um ano e sete meses na psicoterapia, uma vez por semana, em consultas telefónicas de 50 minutos. Nos últimos tempos, foi mais espaçado, de duas em duas semanas”, lembra o seu processo terapêutico.

Casos de desespero
As pessoas acompanhadas neste serviço têm histórias com um denominador comum na equação da vida: “A maior parte vem com ideação suicida. É assim que chegam à linha. O que está na base dessa ideação é o desespero. Desespero por não se identificarem ou não serem bem-vindas nas suas relações sociais, amorosas ou laborais. Sentem-se isoladas, perdidas e não reconhecidas. Podem, também, sentir-se desesperadas por serem diferentes da norma social”, explica José Manuel dos Santos, que trouxe a psicoterapia à linha de apoio emocional da Fundação Inatel.
Formando na Sociedade Portuguesa de Psicoterapia Existencial, propôs esta especialidade, em complemento da Conversa Amiga, depois de começar por ser voluntário desta linha telefónica no início da pandemia, em 2020.

Entendeu a necessidade de várias pessoas que ligavam para este serviço e não tinham condições económicas para ser acompanhadas de outra forma e durante mais tempo. Quando iniciou a formação em Psicoterapia, José Manuel dos Santos juntou a vontade de ajudar ao exercício da prática clínica necessária para o curso.

Há casos específicos, encaminhados pela linha Conversa Amiga, que percorrem um caminho terapêutico. A fila de espera tem vindo a aumentar. Para que este serviço chegue a mais pessoas está em desenvolvimento a designada “terapia breve”, de 12 sessões semanais gratuitas, para que haja a possibilidade de mais gente ter acesso à saúde mental. “Para dar uma resposta mais célere aos casos sinalizados, surgiu a aplicação do modelo das terapias breves, permitindo trabalhar com os apelantes um foco identificado, estabelecendo um tempo limitado, com resultados práticos e rápidos”, elucida a psicóloga Mariana Braz, que coordena a Conversa Amiga Inatel. E informa, ainda, que estão a ser desenvolvidas “parcerias com entidades no domínio da saúde mental, de forma a estabelecer sinergias que promovam as boas práticas nas linhas de apoio emocional”.

Vida com valor
Para já, o serviço de psicoterapia é “restrito”, porque depende do trabalho voluntário de duas pessoas com formação na área. É diferente da Conversa Amiga, que tem o objetivo de dar apoio emocional mais momentâneo. Os voluntários desta linha identificam, no percurso de vida dos apelantes, os que podem precisar de mais tempo para a resolução de um foco.

José Manuel dos Santos dedica cinco horas semanais, de forma voluntária, a este serviço de psicoterapia. Pessoas mais jovens ou mais velhas têm passado por este tipo de atendimento. Algumas já estão a ser acompanhadas e medicadas por profissionais de saúde, embora ainda “precisem deste suporte, onde vão descobrindo competências para poder fazer escolhas que vão melhorar substancialmente os seus ‘estares’ no planeta terra”, diz.

Perguntamos ao voluntário que pensou, criou e desenvolveu este serviço como é possível reverter a ideação suicida dos que estão a ser seguidos nestes processos terapêuticos. Há várias respostas possíveis, afirma. Há um certo momento, durante as sessões, “em que a pessoa vê que a sua vida tem um valor enorme, não só para ela, mas também para as pessoas que estão à sua volta e para a sociedade. Na psicoterapia, como temos mais tempo, a pessoa vai vendo e descobrindo que a sua pertença é muito importante na vida de várias pessoas”.

Aprender a ter chão
No final de cada ligação, o que se pretende é que haja, do outro lado da linha, “a perspetiva de esperança” e o sentimento de quem “tem chão”. “Ter chão significa que há esperança, futuro, sentir que tem um projeto de vida. O objetivo das chamadas da Conversa Amiga e da psicoterapia é desenvolver a esperança nas pessoas, um sentido de futuro, o saber que são capazes de viver mesmo que não seja o presente – capazes de viver este presente para construir algo diferente”, frisa.

Quem procura ajuda, diz José Manuel dos Santos, “tem uma coragem enorme por enfrentar os medos e os monstros debaixo da cama, dentro do armário e atrás das cortinas do quarto. Quando a pessoa sentir que precisa de ajuda, deve mesmo procurá-la. Quando surge a questão é o momento”.

Voltemos à história do Lourenço, que, talvez na terceira ou quarta sessão, entendeu que aquele processo começava a fazer sentido. Gradualmente, foi recebendo ferramentas, exercícios de respiração e outros para se focar no bem-estar corporal e emocional. Quando chegava a vontade de morrer, identificava aquele momento em concreto: “Sempre que as coisas me vinham à cabeça, tentava expulsá-las. Aceitava que estavam ali, mas não fazia delas a prioridade na minha vida.”

O Lourenço confessa agora sentir-se grato por “este apoio dado à comunidade” que recebeu durante mais de um ano. O serviço de psicoterapia ajudou-o no que ele “achava impossível”: voltar a ter vontade de viver. Hoje, olha para trás sem culpas por tudo o que viveu e sentiu: “A vida é o que é. Não temos de ter vergonha por aquilo que passámos. Não posso afirmar que foi um erro pensar naquilo, mas posso afirmar que aprendi que os momentos mais baixos fazem parte da nossa vida. Aprendi a organizar as gavetas do meu cérebro, cada coisa nova que vou encontrando no meu caminho, vou metendo na gaveta certa. Temos de estar certos de que um momento mau na nossa vida não pode ser mais forte do que os outros bons”, sublinha.

Consciência para mudar
Desde julho que o Lourenço sente que já não há necessidade de continuar a terapia. Está mais forte, resiliente e com vontade de continuar a investir no seu percurso musical. Sabe o valor da sua voz nas canções que leva ao público e tem a consciência de que a partilha da sua história pode ajudar outras pessoas.

Guadalupe, 26 anos, é massagista e escolheu este nome fictício para falar de si e do seu processo terapêutico. Procurou a Conversa Amiga numa altura em que estava “extremamente depressiva, com pensamentos suicidas e ataques de pânico recorrentes”. Revela que “não sabia gerir as suas emoções” nem “pôr limites aos outros”. “Os meus problemas eram muito à volta de amizades que não eram boas para mim, da família que não me aceitava e de namorados que me fizeram traumas. Todos os meus ex-namorados foram machistas, maus para mim. Violência física, psicológica, ameaças, muitas coisas más…”, lembra.

Num determinado momento do seu sofrimento, Guadalupe entendeu, com clareza, que precisava e queria ter ferramentas para lidar melhor com ela mesma: “Com a psicoterapia consegui ser uma pessoa mais independente, aceitar-me como sou e não ter vergonha dos meus erros do passado. Nas sessões foram dadas ferramentas para pôr em prática. Consigo agora seguir os meus sonhos, dizer ‘não’ ao que não quero e comecei pelos baby steps (passos de bebé).”

Passo a passo, dia a dia, a “falta de vontade de viver e de ir à rua” foi dando lugar a outro estado de espírito: “Este serviço foi vantajoso, porque não conseguia pagar a um especialista. Há pessoas que não têm quem as possa ouvir e, para mim, foi muito importante, porque me senti ouvida e aceite pela primeira vez na vida pela pessoa que sou e sem julgamentos.” E acrescenta: “Agora consigo escolher as pessoas que quero e não quero na minha vida. Tenho mais consciência de quem sou.”

Por todo o caminho que percorreu, hoje aconselha a quem possa estar a viver uma situação semelhante à que viveu que é fundamental “ter objetivos” e procurar fazer “algo que faça as pessoas felizes”.

Sílvia Júlio

 

Números da linha de apoio emocional 

  • 4000 contactos mensais
    45 000 contactos anuais
    23 100 contactos durante o primeiro semestre de 2025
    23 voluntários 
    623 horas: tempo total de chamadas registadas no primeiro semestre de 2025

Conversa Amiga Inatel
210 027 159 (chamada para a rede fixa nacional)

 

Voluntários precisam-se
A Conversa Amiga Inatel, linha criada em 2009, escuta os apelantes com as mais variadas problemáticas, como transtornos de ansiedade, depressão maior e distimia, transtorno bipolar, transtornos de personalidade e psicóticos, bem como casos de ideação suicida.

“Contudo, muitos são os apelantes que ligam apenas para uma conversa, que lhes permita esquecer os inúmeros problemas mediante os quais são confrontados no seu dia a dia”, afirma a psicóloga Mariana Braz, que apela à necessidade de haver mais voluntários para a Conversa Amiga, que recebem formação teórica e prática, em formato presencial, para se “dar resposta ao aumento significativo de chamadas na linha”.
Os voluntários precisam de ter competências, como “a capacidade de escuta ativa, empatia, autocontrolo emocional, neutralidade e comprometimento”. A psicóloga salienta que a linha de apoio emocional da Fundação Inatel “assume, como pedra angular, a responsabilidade social, junto da comunidade, de dar continuidade à formação de voluntários para dar resposta às problemáticas emocionais emergentes”.

A crescente procura registada na linha traduz, no entendimento de Mariana Braz, “uma abordagem apreciada pelos apelantes que ligam, encontrando um suporte emocional necessário e a disponibilidade de escuta e acolhimento”. Enfatiza que se trata de “um espaço seguro, anónimo e confidencial”, onde todos podem “expressar sentimentos e receber orientação adequada”.
Sílvia Júlio