A Fundação INATEL na génese do Turismo Social em Portugal

Até às primeiras décadas de 1900, o turismo era sobretudo uma atividade de luxo reservada aos mais favorecidos.
A ocupação dos tempos livres dos trabalhadores centrava-se em associações e sociedades populares de educação e recreio e em atividades de excursionismo, música e leitura.
O desenvolvimento de um verdadeiro “turismo social” só em meados dos anos 30 conhece um efetivo desenvolvimento.
 E o impulso decisivo deve-se em grande parte à criação, em junho de 1935, da Fundação Nacional para a Alegria no Trabalho (FNAT), hoje Fundação INATEL.

FNAT - 1935 a 1974

O Regime da Duração do Trabalho de 1934 - diploma que decorre dos princípios constantes no Estatuto do Trabalho Nacional, de 1933 - que vigorará com alterações parciais até ao ano de 1971, estabeleceu pela primeira vez uma jornada de oito horas de trabalho para a indústria, pondo em prática uma convenção da Organização Internacional do Trabalho ratificada em 1928.
Para os assalariados agrícolas a mesma conquista surgirá apenas em 1962.
Com a redução do tempo de trabalho, cresceu a procura de novas formas de ocupação dos tempos livres e de opções de alojamento económico fora dos grandes centros urbanos.

O Movimento Internacional Alegria e Trabalho

A população madeirense observando os turistas alemães da Kraft Durch Freude,1936.
Após a Primeira Grande Guerra, os regimes autoritários da Europa implementaram programas de ação institucional e doutrinária de domínio das classes trabalhadoras e passaram a incluir o turismo e o lazer nos projetos sociais, gerando uma vaga internacional que viria a denominar-se Movimento Internacional Alegria e Trabalho.
A população madeirense observando os turistas alemães da Kraft Durch Freude,1936.
O movimento teve origem em Itália no ano de 1925, quando Mussolini incorpora na Carta do Trabalho a Obra Nacional dos Tempos Livres (Dopolavoro), um serviço encarregado de organizar o lazer dos trabalhadores, especificamente as suas férias.
O modelo seria reproduzido pela Alemanha de Hitler, surgindo em 1933 a Força pela Alegria (Kraft durch Freude). No nosso país, o “Estado Novo” procedeu à adoção das mesmas políticas estatais respeitantes aos tempos livres dos trabalhadores, incorporando-as no âmago da FNAT. Um pouco por toda a Europa surgiram depois organizações semelhantes, criadas pelas restantes ditaduras.
O Movimento Internacional Alegria e Trabalho:
1925 - Itália - “Obra Nacional dos Tempos-livres” - “Opera Nazionale Dopolavoro”
1933 - Alemanha - “Força pela Alegria” - “Kraft durch freude”,
1935 - Portugal - FNAT, “Fundação Nacional para a Alegria no Trabalho”,
1937 - Grécia - “Saúde dos Trabalhadores”, “Ergatixi Estia”,
1940 - Espanha - “Educação e Descanso”, “Educación y Descanso”.

 

Trabalhadores dos Armazéns Grandella, já integrados na FNAT como CAT, em excursão a Setúbal,1943.

A Fundação Nacional para a Alegria no Trabalho (FNAT) surge a 13 de junho de 1935 com o fim de criar as infraestruturas destinadas às atividades culturais, desportivas e recreativas dos trabalhadores e suas famílias, visando “um maior desenvolvimento físico e moral”. Os “organismos corporativos da economia nacional, as grandes empresas e as próprias entidades individuais com meios e condições para tanto” são instados a cooperar com o Estado para esse fim.
A ação da FNAT estendia-se a todo o território nacional por intermédio das suas delegações (provinciais) e subdelegações (concelhias), competindo-lhes cooperar na avaliação de todos os assuntos e na execução de todas as iniciativas. 
Nas freguesias rurais a FNAT era representada pelas Casas do Povo e Casas de Pescadores.
Os beneficiários da FNAT eram obrigatoriamente sócios de um dos elementos da organização corporativista do trabalho: de um Sindicato Nacional, de uma Casa do Povo ou Casa de Pescadores; sendo que os Centros de Alegria no Trabalho (CAT) constituíam as estruturas de base nas empresas. Nas zonas de residência urbana os Centros de Recreio Popular (CRP) cumpriam essa função.
Com o tempo, a FNAT passou a ser uma parte muito importante do quotidiano dos trabalhadores e dos seus agregados familiares, instruindo e direcionando a sua vida lúdica.
A Instituição crescerá rapidamente: em 1950 eram 41 117 os sócios individuais e 427 os sócios coletivos; em 1958 havia já 73 655 sócios individuais.
Em 1969 os beneficiários são já 147 264, os CAT 626 e os CRP 148.

Crianças regressando da praia, Colónia de Férias Marechal Carmona, Foz do Arelho, ca. 1945

Inaugurada a 31 de julho de 1938 na Mata da Caparica, a colónia de férias “Um Lugar ao Sol”, passou por diversas fases de construção. 
Composta por 40 pavilhões, cada um com 10 quartos de casal e 4 pavilhões com 35 quartos para solteiros, foi sendo ampliada ao longo do tempo.
As colónias balneares infantis destinavam-se, essencialmente, aos filhos dos sócios efetivos das Casas do povo. Destinada à população a sul do Mondego, a “Colónia Balnear Infantil Marechal Carmona”, na Foz do Arelho, foi inaugurada a 3 de julho de 1940, nos terrenos e palacete que pertenceram a Francisco de Almeida Grandella.
 Em 1958 foi alargada e convertida em colónia para adultos.
Mais a norte do país, na Praia da Aguda (Vila Nova de Gaia) foi inaugurada em setembro de 1940 a “Colónia Balnear Infantil Doutor Oliveira Salazar”, destinando-se à população a norte do Rio Mondego. Compunha-se de um grande terreno de cultura, outro de recreio e de um grande edifício com todos os serviços. Deixou de funcionar em 1947.
No ano em que a FNAT celebrou vinte e cinco anos de existência, em 1960, inaugurou no ex-Palace Hotel das Termas de São Pedro do Sul a “Colónia de Férias António Correia de Oliveira”, providenciando aos acidentados de trabalho um estabelecimento termal para a sua reabilitação.
No mesmo ano foi inaugurada a “Colónia de Férias Dr. Pedro Teotónio Pereira”, em Albufeira, nas antigas instalações de uma fábrica de conservas.
A FNAT abriu ainda um parque de campismo na Costa da Caparica, em 1950, e outro em 1960, no Cabedelo, em Viana do Castelo.
O Hotel e Balneário termal de Entre-os-Rios foram inaugurados no ano de 1971.

Partida de trabalhadores espanhóis para Fátima, 1950

A atividade da FNAT, no âmbito do turismo interno, consubstanciava-se em excursões de grupos de trabalhadores que se deslocavam de uma região para o conctato com os trabalhadores de outra região, frequentando atividades culturais e recreativas.
Para o efeito, a FNAT dispunha de uma frota de camionetas que fazia o transporte dos turistas. A primeira excursão teve lugar em 22 de setembro de 1935, a Setúbal e à Serra da Arrábida, dedicada aos filiados dos Sindicatos Nacionais do distrito de Lisboa, no II Aniversário do Estatuto do Trabalho Nacional - uma iniciativa da FNAT e do Sindicato Nacional dos Operários da Indústria de conservas  distrito de Setúbal.
 No ano de 1954 realizou-se o primeiro cruzeiro de férias à Madeira, no qual participaram 721 continentais.
Somente em 1957 é organizada a primeira viagem de longa duração: o “I Grande Cruzeiro Pescaria às ilhas adjacentes”, no decurso de 15 dias, incluindo “visitas de estudo”.
O turismo externo consistia fundamentalmente na permuta de trabalhadores espanhóis, sobretudo da organização congénere Educación Y Descanso (com a qual se manteve um intercâmbio desde 1942), que se instalavam nas colónias de férias, com trabalhadores portugueses que se deslocavam para centros congéneres em Espanha. Para uns e outros as condições eram idênticas.
Em 1965 realizou-se o primeiro cruzeiro oceânico, o “Cruzeiro do Sul”, com destino ao Brasil, a primeira iniciativa em tudo semelhante às atividades da Kraft Durch Freude e da Dopolavoro nos anos 30.

Um momento do I Grande Cruzeiro Pescaria às ilhas adjacentes, 1957

O Turismo Social institucional teve um grande desenvolvimento a partir de 1948, quando a Declaração Universal dos Direitos Humanos reconhece: “Toda a pessoa tem direito ao repouso e aos lazeres e, especialmente, a uma limitação razoável da duração do trabalho e a férias periódicas pagas" (ONU, 1948, art. 24), o que leva à criação da International Federation of Popular Travel Organization (IFPTO) em 1950. Com a criação deste organismo, surgem também diversas declarações, conferências e congressos que enfatizam o empenho na demanda de um turismo para todos.
Por esta altura, a nova orgânica da FNAT abarcava já novas competências de representação e defesa do corporativismo português junto das organizações internacionais, pelo que em 1956 a organização se fazia representar no I Congresso Internacional de Turismo Social, em Berna. O Congresso institucionalizará o termo “Turismo Social”, antes denominado “Turismo Popular”, sendo a Fédération Internationale de Tourisme Social (FITS) criada nesse mesmo ano.
Não havendo concordância sobre o conceito de Turismo Social, devido ao seu desenvolvimento assimétrico de país para país, foi criado em 1963 o Bureau International du Tourisme Social (BITS), englobando as instituições públicas (a FNAT torna-se membro em 1971) e organismos privados independentes com atividade no âmbito do turismo social, o que levou à aprovação do documento fundamental da defesa dos princípios do turismo social: a Carta de Viena de 1972 que estabelece que "o turismo faz parte integrante da vida social contemporânea e, por esse fato, o acesso ao turismo deve ser considerado como um direito inalienável do indivíduo".

Do Instituto à Fundação INATEL - desde 1975

Entrega de uma missão renovada

A FNAT manteve esta designação até 3 de abril de 1975, quando passou a denominar-se Instituto Nacional para o Aproveitamento dos Tempos Livres dos Trabalhadores - INATEL, recebendo a missão de recriar, prosseguir e renovar a sua herança e património (as unidades hoteleiras, o Teatro da Trindade, o Parque de Jogos 1.º de Maio em Lisboa e o Parque de Ramalde, no Porto), atuando na prestação de serviços sociais, com ênfase na Cultura, Desporto e Turismo Social.
As atividades de Turismo passaram a contemplar todos os públicos e especificamente o público sénior, sob a forma de programas de saúde e bem-estar.
Determinavam os novos estatutos de 29 de dezembro de 1979 que competia ao INATEL organizar excursões e viagens destinadas a trabalhadores; criar e desenvolver centros de repouso e de férias; fomentar o intercâmbio turístico, nomeadamente através da celebração de acordos com organizações estrangeiras similares; fundar e administrar centros de férias, parques de campismo e outros meios de alojamento para trabalhadores; e intensificar o aproveitamento das suas estruturas por parte dos trabalhadores da terceira idade nos períodos de menor utilização pelos restantes.
No novo Instituto podiam inscrever-se como associados individuais todos os trabalhadores portugueses e os trabalhadores estrangeiros exercendo atividade no país, bem como todos os trabalhadores reformados e aposentados.
Como associados coletivos, os CCDs (Centros de Cultura e Desporto) passaram a substituir os CAT (Centros de Alegria no Trabalho - os Associados cColetivos no Corporativismo).

Santa Maria da Feira - Unidade Hoteleira inaugurada em 1978

Com a passagem a Instituto, o INATEL herda a gestão das cinco unidades hoteleiras (antigas colónias de férias da Caparica, Foz do Arelho, São Pedro do Sul, Albufeira e Entre-os-Rios) e os dois parques de campismo da FNAT (Cabedelo e Caparica), cedo imprimindo uma nova dinâmica que levou à expansão sistemática dos serviços turísticos e à consequente ampliação da rede hoteleira, sendo adquiridas novas estruturas. Em 1999 existia já um total de quatorze, para um universo de 210 000 associados individuais e 3 300 associados coletivos.

Oeiras - Junto ao passeio marítimo de Oeiras, o antigo Motel Continental foi inaugurado como centro de férias em 1978.

Santa Maria da Feira - A unidade hoteleira da Quinta do Castelo, num edifício construído na década de 70, foi inaugurada em 1978.

Parque de campismo de São Pedro de Moel, Marinha Grande - Inaugurado em 1980.

Santo da Serra, Madeira - O centro de férias destinado aos trabalhadores madeirenses foi inaugurado em 1983.

Luso - No antigo Hotel Lusitano inaugurou em 1985 a unidade hoteleira do Luso.

Vila Nova de Cerveira - Unidade hoteleira inaugurada em 1988 num terreno agrícola de cinco hectares adquirido à Câmara Municipal de Vila Nova de Cerveira.

Castelo de Vide - Unidade hoteleira inaugurada em 1991 no edifício da antiga Residencial Jardim.

Manteigas, Serra da Estrela - A Unidade hoteleira, inaugurada em 1991, compreende o Complexo Termal das Caldas e Fonte Santa.

Porto Santo, Madeira - O antigo Hotel do Infante, situado no Cabeço da Ponte, foi inaugurado em 1997.

Vila Ruiva, Fornos de Algodres - Unidade hoteleira inaugurada em 2000.

Piódão - A unidade foi inaugurada em 2002 num edifício perfeitamente integrado na paisagem.

Com a sua passagem a Fundação de direito privado e utilidade pública, a INATEL promoveu a modernização das suas unidades de alojamento e restauração, empreendendo um ambicioso projeto de transformação dos antigos “Centros de Férias” em modernas unidades hoteleiras.

Além de inaugurar, em 2009, três novas unidades de 4 estrelas - em Linhares da Beira e nas ilhas açorianas das Flores e da Graciosa - a Fundação procedeu ainda à requalificação e licenciamento de vários dos seus estabelecimentos turísticos.

Atualmente a Fundação dispõe de um total de 17 unidades hoteleiras, 3 parques de campismo e 2 balneários termais.

A Instituição funciona como operador turístico, criando produtos para comercialização destinados aos mercados nacional e internacional segundo programas adaptados às tendências de mercado e aos segmentos alvo, realizando a análise de informação de mercado sobre as tendências/ ofertas existentes; organizando e planificando as atividades anuais, em termos de programas de turismo e animação; gerindo reservas, cancelamentos e reembolsos; emitindo e preparando toda a documentação necessária às viagens, ao controlo do número de participantes e respetivos "allotments" e otimizando a venda de lugares.

Em 25 de junho de 2008, o INATEL deixou de pertencer à administração central do Estado.
O diploma que concretizou a sua extinção instituiu uma nova fundação privada de utilidade pública - a Fundação INATEL - , que lhe sucede em todos os seus direitos e obrigações, bem como no exercício das suas competências e na prossecução das suas atribuições de serviço público, passando a assumir uma natureza jurídica mais consentânea com as características e o tipo de atividades que prossegue.
A Fundação INATEL tem como fins principais a promoção das melhores condições para a ocupação dos tempos livres e do lazer dos trabalhadores, no ativo e reformados, desenvolvendo e valorizando o turismo social, a criação e fruição cultural, a atividade física e desportiva, a inclusão e a solidariedade social.
Estando presente em todo o Continente e Regiões Autónomas, com uma rede de 23 INATEL Locais (antigas delegações), uma rede nacional de turismo e hotelaria social, o Teatro da Trindade e 2 parques desportivos, 1.º de Maio, em Lisboa e Ramalde, no Porto, os seus serviços desenvolvem programas de inclusão e solidariedade social e promovem e dinamizam a cultura popular e o desporto amador, através do apoio às atividades culturais, desportivas, etnográficas, folclóricas ou recreativas de cerca de 3 000 associações de base empresarial ou local, inscritas como sócios coletivos da INATEL, os Centros de Cultura e Desporto (CCDs).

Cronologia dos Logos

Património da Fundação INATEL

Preservando a sua natureza originária, a Fundação INATEL desenvolve a sua atividade em todo o território nacional, competindo-lhe a gestão de um importante património edificado, constituído essencialmente por equipamentos hoteleiros, culturais e desportivos, dedicados à prestação de um vasto leque de serviços nas áreas da hotelaria e do turismo social, do apoio e promoção da cultura tradicional  do apoio ao desenvolvimento do desporto amador e seus movimentos associativos, de realização do direito ao descanso e lazer dos trabalhadores e de promoção de programas e iniciativas de inclusão e solidariedade social envolvendo sobretudo jovens e idosos.

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